ANAIS
Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo
Antiguidade e Sincretismo
Estudos Culturais e Musicologia
FACULDADE DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE DE COLONIA
INSTITUTO DE MUSICOLOGIA
ACADEMIA BRASIL-EUROPA
INSTITUTO DE ESTUDOS DA CULTURA MUSICAL DO MUNDO DE LÍNGUA PORTUGUESA (ISMPS)
2004
em sequência ao seminário Música no Pensamento da Antiguidade - Filosofia Intercultural 2004/2005
e ao seminário Música na antiga Gnosis 2005
e a estudos desenvolvidos no Brasil desde a década de 1960 em retomada de debates do Simpósio Internacional Tradições Cristãs e Sincretismo , realizado em 1989 na Alemanha com pesquisadores culturais brasileiros
Antiguidade e Sincretismo foi tema tratado sob o aspecto dos estudos culturais e musicológicos em 2007 no Instituto de Musicologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de Colonia. O curso foi realizado em cooperação com o Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS) e a Academia Brasil-Europa (ABE).
O curso teve como objetivo proporcionar aos participantes uma visão geral do estado da pesquisa arqueológico-cultural e da mitologia antiga na perspectiva da música e discutir estudos até então realizados no Brasil e em outros países. Os estudos do antigo Ecumenismo Sincretistico deviam ser conduzidos sob uma perspectiva transepocal e transdisciplinar. Não só conhecimentos resultantes de estudos Antiguidade sob a perspectiva dos estudos históricos, arqueológicos e mitológicos, como também resultados de estudos culturais de tradições e expressões consideradas como sincretísticas da atualidade, objeto de estudos empíricos no presente deviam ser considerados.
O foco de atenções devia ser um sistema de concepções e visões do mundo e do homem de remota proveniência, subjacente às diferenças contextuais, que teria possibilitado interações, práticas comuns e harmonizações. O interesse foi dirigido assim à inquirição de estruturas de um edifício cultural e de seus mecanismos sistêmicos que, apesar das diferenças, tornaria compreensível uma universalidade ou universalização que se designa sob o termo grego de Ökumene, de um ecumenismo pré-cristão que se teria cristianizado no decorrer de processos de mudanças culturais.
Os.universitários deveriam adquirir conhecimentos do trabalho realizado até o momento, dos projetos em andamento, de suas origens, motivações e objetivos, bem como sobre mudanças na ênfase temática e considerações teóricas. Deveriam adquirir conhecimentos da literatura especializada e daqueles resultantes de diálogos interdisciplinares e de estudos em museus e sítios de escavações arqueológicas em diversas regiões das décadas precedentes. O curso devia trazer à consciência que, a orientação teórica desses trabalhos e reflexões diferiu e difere sob muitos aspectos da abordagem que convencionalmente marca os estudos da Antiguidade, da Mitologia e aqueles de expressões sincréticas no presente. Diferia sobretudo do tratamento de tradições e expressões consideradas como sincretísticas na Etnomusicologia.
Os intentos e procedimentos corresponderiam antes aquelss dos Estudos de Religiões Comparadas e da Musicologia Comparada ou Comparativa, um campo de estudos que, na organização dos estudos musicológicos, passara a ser substituído em geral pela Etnomusicologia. O curso entendia-se assim como uma atualização de área de pesquisas e inquirições já antiga, que merecia ser revalorizada sob novos critérios, o que surgia como tarefa necessária e de atualidade para o estudo de fundamentos culturais em contextos globais em era marcada por processos mundializadores.
O curso considerava-se ssim na tradição de pensamento e de estudos de musicólogos como Marius Schneider (1903-1982), antigo professor do Instituto de Musicologia de Colonia, ou Alain Daniélou (1907-1994), cujos textos tinham sido considerados como básicos nas áreas de Estruturação e Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo na década de 70. O curso considerava-se não como uma área precedente à Etnomusicologia, mas sim como iinserido na Musicologia Sistemática.
Significado
Estudos de fundos arqueológico-culturais, de representações visuais e de antigos mitos são de fundamental significado para a musicologia sob múltiplos aspectos. Requerem abordagens que transcendam divisões de áreas disciplinares. Exigem procedimentos tanto históricos como de observação empírica, etnológicos e de tradições populares, e sobretudo sistemáticos.
Esses estudos dizem respeito principalmente a questões de fundamentos, de bases em diferentes sentidos. Os seus significados são porém mais abrangentes. A linguagem de imagens em monumentos, em túmulos e em mitos, evidenciam com a representação de instrumentos o significado da música em sistema de visões do mundo e do homem de remotas origens. A partir dessas explicitas imagens pode-se considerar concepções musicais inerentes em representações que não apresentam tais evidências. Reconhece-se que instrumentos e assim concepções que dizem respeito à música possuem sentidos que dizem respeito à estrutura de um edifício cultural de dimensões cósmicas e antropológicas e a seus mecanismos sistêmicos.
O foco de atenções foi dirigido primeiramente à lira, em particular na imagem de Orfeu Essa imagem já tinha sido há muito considerada como de grande significado para os estudos de relações e interações da Antiguidade e do Cristianismo. Servia de emblema para estudos em círculos voltados a questões etnomusicológicas relacionadas com estudos missiológicas no presente. Orfeu com a lira é documentado em catacumbas cristâs dos primeiros séculos, o que dá ensejo a estudos de mudanças culturais sob diversos aspectos, em particular também de cristianização da linguagem visual de culturas extra-bíblicas.
A imagem de Orfeu, tratada em publicações e aulas, não é importante apenas para estudos de linguagem visual, de sinais, de hermenêutica biblica, mas sim também para aqueles que tratam de mecanismos dirigidos ou de processos que ocorrem de forma não conduzida de mudanças culturais. Diz respeito aqui a processos aculturativos ou - na terminologia de religiosos - inculturativos. O seu estudo implica em exames de possibilidades de mudanças de sentidos subjacentes a imagens, a transformações internas de significados apesar da permanência de imagens na sua aparência ou, ao contrário, de permanência de sentidos apesar da mudança de aparências. Diz respeito assim a questões de leitura literal, superficial de textos por assim dizer ao pé da letra e de leituras mais profundas de sentidos subjacentes, intrínsecos ou imanentes.
O curso procurou trazer a consciência os graves problemas dos estudos de tradições e expressões consideradas como sincretistas do presente, marcadas por interpretações e atribuições de origens infundadas, hipóteses colocadas a partir de ideários que necessitam ser revistas. O estudo do sistema de concepções e visões do mundo e do homem que possibilitou em remoto passado harmonizações é pré-condição para essas necessárias correções.
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Redescobrir a Antiguidade
Um dos objetivos do curso foi também o de contribuir ao despertar de interesses pelo estudo da Antiguidade, também sob o aspecto musicológico. Esse intento foi decorrência de reflexões encetadas no Museu Winkelmann na cidade alemã de Stendal. O vulto de Johann Joachim Winckelmann (1717-1768) foi lembrado como exemplo do fascínio pelo mundo antigo que poderia ser redespertado.
Os seus textos, de extraordinário significado não só para a Estética, transmitem visões e um entusiasmo que poderia motivar o interesse pela inquirição do passado antigo e de percepção de seus valores. Winckelmann decanta quase que poeticamente a majestade e grandeza silenciosa que a visão de antigas colunas de templos, embora em ruínas, que eleva o espírito em direção ao céu. Salienta o contraste com igrejas que se encontram junto a essas ruínas, sombrias, repletas de representações mórbidas, baseadas em estórias em grande parte tão lendárias como a dos antigos mitos, envoltas em superstições. Lamenta a deplorável destruição vivenciada pela humanidade nessa passagem de eras que é evocada na contemplação dessas ruínas.
Na sua opinião, que transmite no seu texto sobre a história da arte antiga, as mentes de seres racionais teriam uma inclinação natural e um desejo de elevação para o alto, para além da matéria, para uma esfera abstrata de conceitos, e a sua verdadeira satisfação estaria na produção de idéias novas e mais elevadas. Essas considerações de Winckelmann, que devem ser naturalmente compreendidas no contexto de sua época, podem suscitar reflexões. O seu estudo da antiga cultura não se limita uma narrativa de decorrências e mudanças no decorrer do tempo, mas sim dirige-se a fundamentos, concepcões e valores permanentes, por assim dizer a-temporais.
As colocações de Winckelmann podem assim servir de inspiração para o presente. Sua maior admiração era Apolo no Belvedere, que ele considerava como sendo mais elevado ideal de arte entre todas as obras da antiguidade que escaparam da destruição. O artista construiu a obra a partir de uma imagem ideal e que, contemplando para essa imagem, teria sido tomado pela sua presença, movimentado interiormente e assim transportado para um estado no qual Apolo o honrou com a sua presença.
Essas palavras de Winckelmann pelo deus da música, aquele que recebeu a lira de Hermes/Mercúrio, foram objeto de reflexões nos estudos concernentes à Antiguidade e o Sincretismo. Apolo e Hermes não devem ser considerados isoladamente, mas nas suas inserções em sistema global de concepções e imagens do mundo e do homem. Relacionam-se com outras imagens de deuses na dinâmica interna do sistema
Desenvolvimento dos estudos
A música nas suas relações com os antigos mitos foi sempre considerada em capítulos introdutórios de textos histórico-musicais e em aulas em instituições de ensino musical. Neles mencionam-se figuras míticas como Apolo, Orfeu, Hermes, Arion, Marsyas, Dionísio, Quíron e muitos outros. Deuses, heróis e outras imagens associadas à música sempre foram consideradas na formação de estudantes de música e de história da arte. Muitas das antigas imagens sobreviveram os séculos, presentes em alegorias ou reinterpretações. Foram tratados na arte, na literatura e na música, forneceram material para inúmeras óperas e sobrevivewram na linguagem visual de folguedos tradicionais do calendário.
Há muito porém reconheceu-se a insuficiência e superficialidade na consideração dessas imagens. Reconheceu-se que a atenção não devia ser voltada a imagens e aspectos particulares, mas à sua inserção num sistema global de concepções e visões marcado por dinâmica interna. A atenção devia ser dirigida a relações, interações, mecanismo internos desse sistema e seus efeitos.
Esse reconhecimento correspondeu à orientação dos estudos culturais e musicais que marcou reflexões e estudos que, a partir daqueles conduzidos no Centro de Estudos Musicológicos constituído em São Paulo na década de 1960, lançaram as bases para desenvolvimentos posteriores. Em nível superior, tiveram prosseguimento na área de Estética e Estruturação do Instituto Musical de São Paulo, conduzidas em estreito relacionamento com aquela da Etnomusicologia. Foi nessa área que a atenção foi dirigida a estudos de tradições e expressões consideradas como sincretísticas, em pesquisas então conduzidas na Bahia e em São Paulo. Foi nesse contexto que realizou-se um encontro dedicado a essas expressões sob o aspecto dos estudos etnomusicológicos e da pesquisa comparada de religião.
A partir de 1975, os estudos tiveram continuidade a partir do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, sendo desenvolvidos com aqueles desenvolvidos no Instituto de História da Arte e no Museu Romano-Germânico de Colonia. Foram acompanhados de estudos em museus de Berlim, do Museu Britânico e de outras cidades européias. As visitas a sítios arqueológicos na região do Mediterrâneo como parte deste programa começaram em Creta em 1976. Orfeu com a lira como pré-tipo de Cristo como emblema do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos suscitou estudos e reflexões. Do ponto de vista musicológico, foram orientados por Heinrich Hüschen (1916-1983)’ no que diz respeito às visões musicais da Antiguidade e da Idade Média.
A sessão de abertura do Simpósio Internacional de Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo em 1981, foi dedicada à lira em seu simbolismo na tradição organológica, considerando-se a permanência de concepções e imagens no exemplo da viola. Seguiram-se visitas e museus na Grécia, no Oriente Próximo, no sul da Itália, Malta e Norte da África. Visitas a museus na costa do Mar Negro e em Istambul, assim como a sítios arqueológicos nas ilhas gregas deram origem à ideia de abordar o tema num seminário.
Eventos que representaram marcos no desenvolvimento das reflexões e estudos foram o simpósio de tema Tradições cristãs e Sincretismo, realizado com a participação de pesquisadores brasileiros na Alemanha, em 1999 e a visita de pesquisadores do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS) ao Vale do Amanhecer, considerado como um centro do sincretismo, em 1994.
No decorrer dos estudos tornou-se cada vez mais claro que concepções musicais desempenham um papel de extraordinária importância em todo um sistema de concepções e imagens de remotas origens e que condiona culturalmente o homem até o presente. A consideração desse sistema e de seus mecanismos sistêmicos é tarefa sobretudo para a musicologia sistemática, o que marcou e marca iniciativas de sociedade voltada a esses estudos na Alemanha e que determinou por décadas o seu ensino no Seminário de Musicologia da Universidade de Bonn. Essa tradição foi retomada e atualizada em seminário de tema Música e Simbólica nele realizado em 2003.
Momentos
2005. Música na Gnose da Antiguidade Tardia. Seminário. Universidade de Colônia
2004/05. Música no pensamento antigo e na filosofia intercultural. Seminário. Universidade de Colônia
2004. Estética e Ética na Música. Seminário. Universidade de Bonn
2003. Visita a museus e sítios arqueológicos na Grécia e no Mar Negro. ABE/ISMPS
2003. Roma. Excursão do seminário de musicologia da Universidade de Bonn
2002. Música e simbolismo. Seminário. Universidade de Bonn
2000. Visita a museus e sítios arqueológicos de Cartago e Túnis. ABEISMPS
1999. Congresso Internacional Música e Visões. Deutsche Welle, ABE/ISMPS e universidade de Colonia
1998. Antropos ludens. Colóquio Internacional. ABE/ISMPS, Centro Gil Eanes de Lagos, Universidade de Lisboa
1998. Visita a museus e sítios arqueológicos da Sicília. Academia de Estudos Culturais e Científicos/ISMPS
1996. Visita a museus e sítios arqueológicos no Egito, Chipre e Rodes. ABE/ISMPS
1995. Visita aos museus de Istambul. ABE/ISMPS
1989. Simpósio Internacional sobre Tradições Cristãs e Sincretismo. Cidades da região do Reno
1986. Visita a sítios arqueológicos na Ásia Menor. ABE/ISMPS
1984. Visita a museus e sítios arqueológicos de Rodes. ABE/ISMPS
1976. Visita a museus e sítios arqueológicos em Creta
1976. Música e percepção musical na antiguidade. Heinrich Huschen. Universidade de Colônia
1975. Estudos no Instituto de História da Arte da Universidade de Colônia e no Museu Romano-Germânico
1975. Estudos no Museu Britânico, Londres e em museus de Berlim
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